terça-feira, 11 de julho de 2017

Porque é necessário limpar o olhar, ver além da poeira da inércia e da ilusão, aqui vai o excerto de um artigo de Paulo Borges bem a propósito...




"O egocentrismo que faz com que o centramento do desejo no bem do sujeito, individual ou coletivo - entendido como uma posse de algo que não traga já oculto em si, só suscetível de descobrir por uma profunda transformação interior -, o torne dependente das projeções que faz do objeto do desse desejo, que tende a reificar e divinizar como a entidade exterior da qual depende toda a sua felicidade (ao mesmo tempo que tudo o que se oponha, a esse objeto e à felicidade do sujeito que se crê dele depender, é implicitamente diabolizado, pelo reverso do mesmo fenómeno que é a aversão).
A religiosidade, neste sentido, e enquanto não for suficientemente depurada pela razão crítica e analítica, está na origem de todas as formas de idolatria e conflito que frequentemente se substituem à, ou confundem com a, religião propriamente dita, tal como esta, igualmente idólatra, tende a confundir as suas visões conceptuais e dogmáticas do divino ou da iluminação com a experiência-cume de que falámos. É assim que podemos observar, ao longo dos tempos, e talvez mais visível e predominantemente hoje em dia, a divinização do dinheiro e da riqueza, do sucesso profissional, desportivo e político, do sucesso intelectual, sentimental e sexual, da transformação social, política e económica, e bem assim de imagens do divino, do paraíso ou da espiritualidade construídas à medida dos desejos e aversões, dos medos e expetativas, de uma humanidade e de uma mente que, num assomo extremo de materialismo, tão mais grave quanto espiritual, tudo quer possuir sem que nada aceite sacrificar, preferindo alimentar a esperança vã de que o mundo se transforme, por um golpe da fortuna, por um milagre da Providência ou por uma qualquer New Age astro-cosmológica, a assumir a tarefa árdua de lançar mãos à inevitável tarefa da transformação interior. Cabe aqui lembrar como até hoje sempre morreram frustrados todos aqueles que esperaram o advento histórico e exterior de um mundo ideal, em vez de terem investido na transformação interior que lhes permitiria, limpando a poeira dos próprios olhos, ver melhor o mundo e, a partir daí, beneficiarem realmente os seus próximos."

Paulo A. E. Borges - Religião, Religiosidade e Espiritualidade na Perspetiva do Budismo in Revista Consciências - Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência - 2005 - Universidade Fernando Pessoa

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