*** Sobre a Natureza e o descobri-la no íntimo de nós mesmos - notas sobre os incêndios de Outubro ***
Estranho dia hoje em Portugal.
15 de Outubro de 2017.
De repente, apareceram incêndios no país numa quantidade avassaladora.
Mortos, destruição, caos, o drama real das pessoas e da Natureza...
Fiquei triste hoje, como se no fumo que evolava junto à minha cidade viessem também os gritos das pessoas sem casa, o horror pasmado dos animais, das árvores em redor esbracejando nos seus ramos ao vento gritando por vida cobertas pelas chamas...
Nas televisões o pânico era filmado repetidamente e repetiam esta desgraça repetidamente para aprendermos a lição bem de que estava tudo em pânico e ficamos nós também em pânico numa espécie de sugestão repetida e repetida até à exaustão.
Não...
Queria ver por mim e não com os olhos emprestados na boleia das camaras e das vozes de estudio.
Fica a solidariedade ante a desgraça alheia que perpassa quando estamos diante de tantas imagens de fogo e mais fogo.
Essa solidariedade é um traço que une os portugueses quando diante de desgraças destas.
Acontece agora e aconteceu no passado.
Vesti-me, e fui até ao parque da cidade caminhar e entender por mim afinal o que é isto dos elementos em fúria.
O céu estava coberto por fumo e por névoa num cinzento que lembrava o medo.
A cidade feita de betão e pedra estava da cor do céu, tudo envolto num fumo estranho que me lembrou os tempos bíblicos antigos.
Ontem mesmo vi o sol da cor do sangue entre as nuvens, aparecendo como que dorido pelo que fizeram à Natureza.
Uma tristeza...
Nas ruas, uma névoa de medo ecoava pelas casas silenciosas, as estradas meio desertas, as pessoas de cabeça baixa falando para telemóveis e segredando coisas imperceptíveis.
Sim, havia mesmo horror e medo, ele estava estampado nas faces, no céu, no tempo meio parado meio luto que se fez ali, enquanto caminhava para o parque cogitando no porquê destas coisas, nas suas causas, nos seus efeitos...
Caminhava e caminhava e vinha um odor a fumo e a gritos íntimos da Natureza, gritos imperceptíveis mas audíveis no trinar soturno dos pássaros, no ondular das folhas que caiam neste Outono de sol, na temperatura tépida assustada deste Outubro demasiado quente para ser verdade.
À medida que ia caminhando, rodeando o parque com as pessoas que também rodeavam o parque em busca de queimar algumas calorias, fui-me apercebendo no suave murmúrio que o vento ali fazia, que de súbito algo de estranho ali havia...
Nas árvores silenciosas havia um pensar coletivo que parecia pensar-me, enquanto o meu coração batia durante a corrida que fiz em redor do parque, enquanto a minha mente pensava nestas coisas da Natureza e nos fogos postos por pirómanos, nas suas causas, nos seus efeitos...
A Natureza que se destrói tem apenas o intuíto do homem dominar o homem...
Nada deve dominar o homem, ele é que deve se dominar a si mesmo para entrar no Espírito da Natureza...
Ela já cá estava antes, em Harmonia plena, crescendo num silêncio vivo de sonhos que a encobre.
É apenas o homem que se destrói a si mesmo quando desequilibra a Natureza...
Dominando-se a si mesmo, o Homem entra em contacto com ela, e apercebe-se, nitidamente, que é um erro que comete contra a Vida quando atenta contra a Natureza.
A Natureza está viva, mais ainda que nós por vezes, e sente como nós, mais ainda que nós por vezes...
E tal como nos mitos da Grécia antiga, os pirómanos eram sempre loucos, queriam espalhar a morte à Natureza grávida de vida...
Que loucura certa gente...
Gente ao nível das pedras é que pode fazer isto...
As pedras ainda evoluem, não destroem...
Mas ir contra a própria mãe Natureza...
É algo que hoje não compreendo.
Como podem as pessoas terminar com as vidas de si mesmas, das pessoas, dos seus bens, dos animais, das árvores, de todo o reino vegetal que as sustenta com Vida, que as cuida no seu sistema natural, que as sustenta no seu sistema natural...
Compreendi então que a Natureza compreende o ser humano, e não o contrário, como os nossos sistemas têm vindo repetidamente a fazer crer.
Basta um incêndio, uma catástrofe natural, e lá vão os castelos de cartas que o humano constrói...
Ruem todos num instante...
Contra a vastidão da Natureza o homem não é capaz de fazer nada.
Olhe-se quando um astronauta chega ao espaço e vê aquilo tudo.
Aquela imensidão sagrada sem fim...
Será que ele alguma vez poderá dizer:
Eu domino isto tudo!!!
Pura ilusão de poder e vaidade...
Humildes caminhamos dentro da Natureza como seus aprendizes, eternos aprendizes da sua sabedoria que já existia antes de nós sermos arrogantes.
E se calhar com essa arrogância perdemos o contacto com os segredos íntimos da Natureza.
Com o nosso egoísmo, crueldade, a nossa falta de inocência esclarecida.
Pereceu-me ali, ao voltar para casa caminhando por entre o fumo distante, que é a Natureza que nos ensina e nunca o contrário.
Saí do parque com esta impressão na mente e no coração, ao caminhar lento por entre o betão e as ruas de alcatrão, por entre os carros sonolentos da manhã, as pessoas transidas e a vontade de recomeçar.
Começar de novo e renascer, acho que isso deve ser o espírito de uma nova reconquista.
A reconquista pelo acesso do Homem ao puro íntimo da Natureza...
Raphael Lux