SÚMULA
Esta é a minha entrega...
Habito num aquário
com corpo e alma de cidade
as paredes são escamas de peixe
mudando ao sabor
das estações dos poemas.
Cada uma delas transporta luas
em quarto minguante
e lágrimas fundidas
em fogo moído
Não existe zero nem infinito
no intervalo do existir
apenas ciclos fugazes
de substâncias e experiências
cada um vive na cornucópia
que montou no silêncio obtuso
das sete idades
Nada
é um relógio parado
e obsoleto pela voragem dos anos
porque cada passo que dou
é uma primavera de mistérios
despidos de legendas
e notas de rodapé
Cada Ser é um fogo por lavrar
no labirinto da alma
e esse fogo é fonte e força motriz
de todos os meus acidentes
e circunstâncias
Vivo a plenitude desse fogo
em diferentes direcções
sem recurso a sextantes
e murmúrios primários
nas quatro paredes deste aquário
escolho aprender o sentido das feridas
em cada retrato
em cada objecto
ou em cada lago da minha infância
Todo o meu corpo estremece
numa erupção latejante
de sensações
e sentidos
perante o êxtase precoce da palavra
que expande o meu universo
como um gota de tinta
violando a virgindade
de uma página
Bebo o sabor de cada sorriso
cada vez que incendeio um desejo
com o pensamento
Não sou mais servo da mente
nem escravo do ego
certo errado bom mau
são miragens de palavras
levadas pelo bulício do vento
Cada ponte que construo
é um muro que derrubo
num cemitério de sombras
cada porta que fecho
é uma janela que abro
para uma epopeia em branco
no universo de mim
Por vezes chovem lanternas e espinhos
por vezes tudo sangra e canta
perante a menstruação da seiva
e os relógios teimam não trabalhar
contra a natureza do tempo
e a profundidade dos livros
Mas não importa...
nada mais importa
no espaço entre quem fui
sou
e desejo ser
porque sou a expressão viva e bruxuleante
da vida que escolhi
matéria bruta e obra-prima
em permanente transformação
Rosto do que fui
espelho do que sou
e expectativa
de tudo o que posso
vir a ser.
TIAGO MOITA
"Post Mortem e Outros Uivos"
WorldArtFriends Editora
2012
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